Contribuíram para o primeiro número de Orpheu Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Alfredo Pedro Guisado, Almada Negreiros, Armando Côrtes-Rodrigues e José Pacheko, que desenhou a capa e foi responsável pela direcção gráfica. O nome do jovem António Ferro consta também neste primeiro número da revista como editor. No final da introdução a esta primeira edição, assinada pelo seu director Luís de Montalvor, o grupo manifesta o propósito de ir ao encontro de alguns "desejos de bom gosto e refinados propósitos em arte que isoladamente vivem para aí", convictos de que a revista, pelo seu carácter inovador, revela um sinal de vida no ambiente literário português, manifestando esperança na adesão do "público leitor de selecção" a este projecto literário. Se, nesses leitores de "selecção", o primeiro número da revista encontrou "contentamento e carinho", no público em geral causou escândalo e polémica. A revista abalou decididamente o meio literário português pela ousadia e vanguardismo de alguns dos seus textos. Foi, sem dúvida, um sinal de vida que rompeu com as tradições literárias e significou o advento do Modernismo em Portugal.
Segundo número, Abril–Maio–Junho de 1915
O segundo número da revista, sob a direcção de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, inclui textos de Ângelo de Lima, Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Violante de Cysneiros, Luís de Montalvor, Fernando Pessoa e Álvaro de Campos.
Esta edição contou também com a colaboração plástica do "futurista Santa-Rita Pintor", de quem são reproduzidos 4 trabalhos:
1. Estojo scientífico de uma Cabeça + aparelho ocular + sobreposição dynamica visual + reflexos de ambiente * luz, (sensibilidade mecanica),
Paris ano 1914.
2. Compenetração estática interior de uma cabeça = complementarismo congénito absoluto, (sensibilidade lithographica),
Paris anno 1913.
3. Syntese geometral de uma cabeça * infinito plastico de ambiente * transcendentalismo phisico, (sensibilidade radiographica),
Paris anno 1913
4. Decomposição dynamica de uma mesa + estylo do movimento, (interseccionismo plástico),
Paris anno 1913.
O atribulado destino de Orpheu 3
O número 2 da revista trimestral de literatura anunciava que: "O 3º número de ORPHEU será publicado em Outubro, com atraso dum mês, portanto — para que a sua acção não seja prejudicada pela época morta". A partida precipitada de Mário de Sá-Carneiro para Paris, em Julho de 1915, não interrompeu o projecto da revista. Ele e Fernando Pessoa continuaram a trabalhar para a publicação, chegando a ter planeado um sumário para o terceiro número, de acordo com uma carta de Sá-Carneiro para Pessoa, de 31 de Agosto de 1915. Contudo, a recusa do pai de Sá-Carneiro em continuar o seu mecenato involuntário da revista, obrigou-o a desistir da publicação:
"Custa-me muito a escrever-lhe esta carta dolorosa — dolorosa para mim e para você. Mas por mim já estou conformado. A dor é pois neste momento sobretudo pela grande tristeza que lhe vou causar. Em duas palavras: temos desgraçadamente de desistir do nosso Orfeu. Todas as razões lhe serão dadas, melhor pela carta do meu Pai que junto incluo e que agradeço não deixe de ler. Claro que é devida a um momento de exaltação. No entretanto, cheia de razões pela conta exorbitante que eu obrigo o meu Pai a pagar — o meu Pai foi para África por não ter dinheiro e que lá não ganha sequer para as despesas normais, quase. Compreende que seria abusar demais, seria exceder a medida mais generosa depois duma conta tipográfica de 560 000 réis, depois da minha fugida para aqui — voltar daqui a três ou quatro meses a pedir-lhe para saldar uma conta de 30 ou 40 000 réis — na melhor das hipóteses — do n.º 3 do Orfeu — feito ainda sob a minha responsabilidade (mesmo que eu estivesse certo de tirar toda a despesa) seria na verdade mostrar demais a minha insubordinação."
Mário de Sá-Carneiro, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa Lisboa, Assírio & Alvim, 2001, p. 209.
Apesar do suicídio de Sá-Carneiro em Paris, no dia 26 de Abril de 1916, Fernando Pessoa não desistiu do terceiro número de Orpheu. A 4 de Setembro desse ano, escreveu a Côrtes-Rodrigues que a revista deveria sair ainda nesse mês:
"Vai sair Orpheu 3. É aí que, no fim do número, publico dois poemas ingleses meus, muito indecentes, e, portanto, impublicáveis em Inglaterra. Outra colaboração do número: Versos do Camilo Pessanha (a propósito não cite isto a ninguém), versos inéditos do Sá-Carneiro, A Cena do Ódio do Almada-Negreiros (que está actualmente homem de génio em absoluto, uma das grandes sensibilidades da literatura moderna), prosa do Albino de Meneses (não sei se v. conhece) e, talvez, do Carlos Parreira, e uma colaboração variada do meu velho e infeliz amigo Álvaro de Campos.
Orpheu 3 trará, também quatro hors-texte do mais célebre pintor avançado português — Amadeu de Sousa Cardoso.
A revista deve sair por fins do mês presente. Para a mala que vem já lhe poderei dar notícias mais detalhadas."
Fernando Pessoa, Correspondência 1905-1922, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, pp. 220-221.
Tivesse ou não Côrtes-Rodrigues revelado os planos de Fernando Pessoa, eles seriam frustrados por Luís de Montalvôr, em Outubro de 1916, ao publicar 16 poemas de Camilo Pessanha na revista Centauro (incluindo os que Pessoa tinha em mente para Orpheu 3), para a qual, aliás, Fernando Pessoa também contribuiu com o poema "Passos da Cruz". Mais tarde, em 11 de Julho do ano seguinte, Fernando Pessoa escreveu a José Pacheko, arquitecto e responsável gráfico de Orpheu, pedindo ao amigo:
"Temos de nos encontrar para discutirmos as páginas de resguardo e o prospecto a distribuir, assim como a forma de reclame, definitivamente: são cousas, todas ellas, que temos de combinar e tratar conjunctamente.
O Serra (encarregado da tipografia do Falcão) pediu que lhe dessem mais umas folhas de papel para Orpheu, para tirar mais uns 6 ou 7 exemplares a mais."
Fernando Pessoa, Correspondência 1905-1922, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, p. 248.
A publicação do sempre adiado Orpheu 3 seria anunciada, mais uma vez, numa nota do Ultimatum de Álvaro de Campos, edição em separata da revista Portugal Futurista, publicada em 1917: "'Saudação a Walt Whitman' (in Orpheu 3 a aparecer em Outubro 1917)". A verdade, porém, é que a capa não foi impressa e apenas chegaram até nós as provas de página, embora muito diferentes do sumário inicialmente idealizada por Pessoa e Sá-Carneiro, em Agosto de 1915. Ficaram também excluídos os dois poemas ingleses, "muito indecentes, e, portanto, impublicáveis em Inglaterra", que Pessoa pretendia inserir no "Orpheu 3" em 1916. Estes poemas foram, aliás, publicados separadamente em Lisboa, pelo escritor, em 1918: Antinous e 35 Sonnets.
Mais tarde, a 31 de Janeiro de 1928, Fernando Pessoa revelava a José Régio, um dos editores da revista coimbrã Presença que pretendia publicar um poema inédito de Mário de Sá-Carneiro, que pouco havia já de inédito do seu malogrado amigo:
"Pouco já há. Mando-lhe um, que, por ser a primeira das 'Sete Canções de Declínio', que estiveram impressas no Orpheu 3 que não saiu, denominei, por minha conta, 'Canção de Declínio'.
Creio que esta canção é inédita. Na Contemporânea utilizaram essa folha impressa do Orpheu-aborto para dela extraírem, de acordo comigo, várias composições do Sá-Carneiro."
Fernando Pessoa, Correspondência 1923-1935, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, p. 133.
A 6 de Junho de 1931, numa carta para João Gaspar Simões, outro editor da revista Presença, Fernando Pessoa confirma a informação prestada três anos antes a José Régio, acerca das "Sete Canções do Declínio": "Desconta-se, claro está, a publicação no Orpheu 3 que nunca saiu, mas de que foram impressas algumas folhas".
Em Novembro de 1935 foi publicado o terceiro número da revista Sudoeste, dirigida por Almada Negreiros, edição evocativa do vingésimo aniversário de Orpheu que incluía contribuições de quase todos os colaboradores dos dois números publicados da revista trimestral de literatura. A edição abre com o pequeno texto "Nós os de 'Orpheu'", de Fernando Pessoa, que termina com a frase "Orpheu Acabou. Orpheu continua". Este número da revista Sudoeste anuncia também "Brevemente 'ORPHEU 3'". Contudo, Fernando Pessoa faleceu em 30 de Novembro de 1935, pelo que o Orpheu 3 ficou, mais uma vez, adiado sine dia.
O terceiro número da revista Orpheu, compilado por Arnaldo Saraiva, apenas seria publicado em 1984.
"ORPHEU" - Revista Trimestral de Literatura
N.º 3, a publicar em Outubro de 1917.
PROVAS DE PÁGINA:
Mario de Sá-Carneiro - Poemas de Paris
Albino de Menezes - Apoz o Rapto (composição)
Fernando Pessoa - Gladio e Além-Deus (poemas)
Augusto Ferreira Gomes - Por Esse Crepusculo a Morte de um Fauno...
José de Almada-Negreiros (poeta sensacionista e narciso do Egypto) - A Scena do Odio
D. Thomaz de Almeida - Olhos
C. Pacheco - Para Alem Doutro Oceano (notas)
Castello de Moraes - Névoa (composição)
Dada a impossibilidade de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro publicarrm o terceiro número de Orpheu, Santa-Rita Pintor, pretendia dar continuidade à publicação, mas os directores da revista não o levaram a sério. Em carta para o Pintor, Pessoa escreveu em 21 de Setembro de 1915:
"De resto, Orpheu não acabou. Orpheu não pode acabar. Na mitologia dos antigos, que o meu espírito radicalmente pagão se não cansa nunca de recordar, numa reminiscência constelada, há a história de um rio, de cujo nome apenas me entrelembro, que, a certa altura do seu curso, se sumia na areia. Aparentemente morto, ele, porém, mais adiante — milhas para além de onde se sumira — surgia outra vez à superfície, e continuava, com aquático escrúpulo, o seu leve caminho para o mar. Assim quero crer que seja — na pior das contingências — a revista sensacionista Orpheu."
Fernando Pessoa, Correspondência 1905-1922, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, p. 172-173.
Em carta para Fernando Pessoa, a 25 de Setembro de 1915, Mário de Sá-Carneiro confirmava a ideia do amigo sobre a imortalidade da revista: "Você tem mil razões: O Orfeu não acabou. De qualquer maneira, em qualquer 'tempo' há-de continuar. O que é preciso é termos 'vontade'."